Calango

Perto daqui mora um calango velho. Já está até meio gordo. Não chamo de idoso porque seria mera formalidade. Calango é quase gente, até balança a cabeça pra concordar. Gente tem alma, mas o corpo tem prazo de validade. Este calango, por exemplo, já anda lento. Já não corre mais como dantes, mas ainda assim não parece se importar. É ousado! Volta e meia eu o encontro no meio caminho. Faz parte de sua rotina, eu acho que já virou hábito. Que nem velho que senta na porta de casa pra ver o movimento da rua. Daí quando o calango vê "pé de gente" sai do meio do caminho e corre pro mato. Mas aí já viu, sai correndo bem devagarzinho. A gente envelhece e fica propositalmente vulnerável. Como se não houvesse mais nada a perder. Ou talvez seja por uma certa inocência da idade. O que eu particularmente acho bem difícil, mas não impossível. Até porque inocência não é que nem catapora que só ataca a gente uma vez na vida. Quando o mundo muda e a gente não acompanha o passo a gente vira criança pro mundo. E aí o mundo não tem paciência. A gente precisa ser propositalmente vulnerável porque daí já não há mais nada a perder. Quanta fragilidade essa a que se expõe o calango velho no meio do caminho.

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Neemyas Dos Santos
Um pecador salvo pela graça de Deus, marido da Lívia, uma mulher cuja alma é semelhante a um carvalho. Psicólogo e Mestre em Psicologia. Atua como Psicólogo Clínico da Universidade Federal do Maranhão.